“Autorretrato de Tamara em um Bugatti Verde” (1929), Tamara de Lempicka

Por Sidney Falcão 

O período entre as duas guerras mundiais foi marcado por uma atmosfera de luxo, decadência e intensas transformações sociais. Enquanto os anos 1920 celebravam o otimismo da Era do Jazz, a emancipação feminina ganhava força, e as inovações tecnológicas redefiniam o cotidiano. Nesse cenário, o movimento Art Déco emergiu como a expressão artística predominante, caracterizado por sua geometria elegante, cores vibrantes e celebração da modernidade. Tamara de Lempicka (1898-1980), pintora polonesa radicada em Paris, tornou-se uma das figuras centrais desse estilo, traduzindo em suas obras o glamour e a sofisticação da época, enquanto personificava a nova mulher: confiante, independente e à frente de seu tempo. 

Em Autorretrato em um Bugatti Verde (1929), Tamara de Lempicka se apresenta ao volante de um carro esportivo que, embora retratado como um Bugatti verde, era, na realidade, um Renault amarelo, conforme recordações de sua filha. A escolha do veículo, símbolo de luxo e modernidade, reforça a imagem de liberdade e poder. Lempicka veste acessórios Hermès — luvas e capacete de couro — que destacam sua elegância e conexão com a moda de alta classe. Sua pose confiante e olhar decidido conferem à pintura um ar de autoridade, ao mesmo tempo que evocam o charme de uma femme fatale. 

O estilo Art Déco domina a obra, com suas linhas geométricas precisas e composição estilizada, enquanto influências cubistas aparecem nas dobras dinâmicas de seu cachecol. A pintura foi criada para a capa da revista alemã Die Dame, edição de julho de 1929, que buscava personificar a mulher moderna e emancipada. Nessa obra, Lempicka não apenas retrata uma figura feminina poderosa, mas também encapsula o espírito dos anos 1920: uma década de audácia, glamour e reinvenção. O autorretrato reafirma sua posição como símbolo da nova mulher, independente e dona de seu destino, enquanto reflete seu próprio desejo de afirmação artística e protagonismo. 

Autorretrato em um Bugatti Verde destaca-se pela maestria técnica de Tamara de Lempicka, refletindo as características marcantes do movimento Art Déco. As linhas precisas e a geometria refinada criam uma composição de extrema elegância, enquanto as cores fortes, como o verde metálico do carro e os tons neutros do traje da artista, reforçam a sensação de modernidade e sofisticação. A dinâmica da pintura é acentuada pelo fundo desfocado, que sugere movimento e velocidade, capturando a energia da era moderna. 

A pintora Tamara de Lempicka trabalhando em Retrato de um Homem,
uma pintura de seu marido, Tadeusz de Lempicki, em 1928.

O simbolismo é central na obra: o carro, metáfora de liberdade e avanço tecnológico, representa a emancipação feminina. Lempicka se coloca como a protagonista dessa narrativa, com seu olhar determinado e sua pose confiante, reafirmando sua autonomia e rompendo com os papéis tradicionais de gênero. O uso de acessórios Hermès, associados ao luxo, e a paleta geométrica evocam o glamour dos anos 1920. 

A obra também dialoga com influências contemporâneas. A fotografia de André Kertész (1894-1985), publicada na capa do semanário francês Vu, edição de 3 de outubro de 1928, com uma modelo posando em um carro esportivo, é evidente na escolha dos acessórios e na composição. Além disso, elementos cubistas surgem nas dobras do cachecol, enquanto o Surrealismo, em sua exploração de imagens oníricas e idealizadas, ecoa na representação quase irreal de Lempicka. Essa confluência de estilos reafirma a obra como um marco artístico e cultural do período entre guerras. 

Autorretrato em um Bugatti Verde tornou-se um ícone cultural dos anos 1920, encapsulando o espírito de uma década marcada por luxo, modernidade e a crescente emancipação feminina. A obra, com sua estética Art Déco impecável e simbolismo poderoso, permanece relevante como um manifesto visual do empoderamento e da liberdade da mulher moderna. 

Hoje, a pintura continua a inspirar debates sobre igualdade de gênero e celebração do individualismo feminino, enquanto seu estilo geométrico e dinâmico exemplifica a sofisticação do Art Déco. 

Para Lempicka, a obra não foi apenas um retrato, mas uma declaração de sua posição no mundo da arte e na sociedade. Refletindo sua vida de glamour e ambição, o autorretrato sintetiza sua busca incessante por visibilidade e reconhecimento. Ele permanece, assim, um marco que conecta a arte de Lempicka ao legado de uma era inesquecível.

 

Ficha técnica

Título: Autorretrato de Tamara em um Bugatti Verde

Artista: Tamara de Lempicka

Ano: 1929

Técnica: óleo sobre painel de madeira

Dimensões: 35 x 27 cm

Localização:  coleção particular

Referências:

delempicka.org  

historia-arte.com

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