Pal-Ket (1973-1974), Victor Vasarely
Por Sidney Falcão
Nascido em Pécs, na Hungria, Victor Vasarely (1908-1997) percorreu um trajeto singular rumo à arte. Estudou medicina antes de mergulhar nas linhas e cores da Academia Podolini-Volmann, em Budapest e, depois, na escola Mühely — uma espécie de Bauhaus húngara, onde assimilou os fundamentos do construtivismo, da geometria funcional e da síntese entre arte e ciência. Em 1930, estabeleceu-se em Paris, onde atuou como designer gráfico e publicitário. Foi nesse ambiente que refinou sua sensibilidade óptica, desenvolvendo um vocabulário visual pautado pela repetição, pela abstração geométrica e pela ilusão.
É nesse cruzamento entre rigor técnico e fascínio sensorial que nasce a Op Art — abreviação de Optical Art —, movimento do qual Vasarely é um dos grandes iniciadores. A Op Art não narra: vibra, distorce, desorienta. Seu objetivo não é a representação, mas a experiência — uma arte que não se contempla passivamente, mas que desafia, provoca, convida o olhar ao labirinto da percepção. Criada entre 1973 e 1974, Pal-Ket pertence ao período de maturidade de Vasarely, quando seu trabalho já se assentava sobre princípios sistemáticos, quase algorítmicos, em busca de uma linguagem visual universal. Uma linguagem que pudesse ser lida não por uma cultura específica, mas por qualquer olhar.
Logo à primeira vista, Pal-Ket é um golpe sensorial. Não por seu conteúdo — ela nada narra —, mas por sua construção visual, que parece viva. A tela pulsa, oscila, expande-se como um organismo que respira. Composta por formas geométricas vibrantes e elipses em perspectiva, a pintura hipnotiza e desafia o olhar. É estática, mas vibra. É pintura, mas se comporta como fenômeno físico. Ao invés de nos contar uma história, ela nos engole — como um vórtice visual, cuja força reside em desestabilizar o campo da percepção.
A estrutura compositiva de Pal-Ket é minuciosa. A tela se organiza como uma grade simétrica, dividida em quadrantes. Em cada um, elipses moduladas em escala criam curvas ilusórias que deformam o plano bidimensional. O espaço, em tese plano, parece dobrar-se em saliências e depressões, como um tecido tensionado. O efeito trompe-l’œil aqui é reinventado: não simula objetos do mundo, mas manipula diretamente a percepção visual. As elipses se afastam ou se aproximam do centro, dando a sensação de profundidade e movimento, como se a própria tela tivesse deixado de ser superfície e se tornado volume.
A cor exerce papel essencial nesse jogo. Tons frios e quentes alternam-se nos quadrantes, criando campos de contraste que acentuam o efeito cinético. As gradações cromáticas — sutis, mas precisas — organizam zonas de sombra e luz, reforçando a ilusão de que há reentrâncias e saliências na superfície pictórica. O resultado é uma pintura que jamais repousa num único ponto de fixação. Ela exige que o espectador se mova, que o olhar explore. Em outras palavras: ela se recusa à passividade.
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Victor Vasarely em seu estúdio em Gordes, França, em 1978. |
Não há enredo, símbolo ou figura reconhecível. A pintura não representa: ela é. Vasarely elimina qualquer narrativa externa para concentrar-se no fenômeno da visão em si. O sentido da obra não está no que ela mostra, mas no que provoca. A experiência é o próprio conteúdo. O espectador não apenas vê — participa. Sua presença é fundamental para que o efeito se complete. A arte deixa de ser objeto contemplativo e se torna campo de interação.
O título Pal-Ket sugere, inclusive, essa lógica interna, quase computacional. Trata-se de uma nomenclatura codificada, parte do vocabulário visual sistemático criado pelo artista. “Pal” e “Ket” funcionam como unidades combinatórias — quase como prefixos de um alfabeto plástico. Esse alfabeto, construído com base em formas e cores, aproxima-se mais da matemática do que da semiótica tradicional. Ao evitar qualquer referência cultural explícita, Vasarely almeja uma linguagem que fale ao olho humano de maneira direta, universal.
Pal-Ket também antecipa, com impressionante precisão, práticas artísticas que só seriam plenamente desenvolvidas décadas depois: arte generativa, design algorítmico, visualizações computacionais. A obra é fruto de uma mente que operava com lógica digital antes do digital. Outras criações suas, como as da série Vega, também distorcem o espaço com engenho comparável. Mas em Pal-Ket, há um refinamento particular: uma espécie de serenidade estrutural que dá ao delírio visual uma ordem quase cósmica.
Hoje, a Op Art sobrevive não apenas como corrente histórica, mas como território fértil de experimentações visuais. Do design gráfico à realidade aumentada, das instalações digitais às interfaces animadas, os princípios de Vasarely ecoam com força renovada. Seu legado se infiltra nas linguagens visuais contemporâneas com a mesma sutileza com que suas formas invadem o olhar.
Pal-Ket não é uma pintura que se vê e se esquece. Ela permanece. Crava-se na
memória como um enigma sensorial. Movimenta-se sem mover. Expande-se sem sair
do lugar. Ao enganar o olho, reafirma sua verdade: a arte, como a percepção, é
sempre movimento. Vasarely nos lembra que ver é um ato ativo — e que uma
pintura pode, sim, respirar.
Título: Pal-Ket
Ano: 1951
Artista: Victor Vasarely
Técnica: acrílico
sobre tela
Tamanho: 151,3cm x 150,8cm
Localização: Museu de Belas Artes, Bilbao, Espanha
Referências:
The Art Book – Adam Butler, Claire Van Cleave e Susan Stirling; 1996, Phaidon Press Limited,
Londres, Reino Unido
bilbaomuseoa.eus
wikipedia.org
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