“Operários” (1933), Tarsila do Amaral



Por Sidney Falcão

O início da década de 1930 no Brasil foi marcado por transformações profundas. O país vivenciava um intenso processo de industrialização, especialmente em São Paulo, que atraía migrantes e imigrantes de diferentes origens em busca de oportunidades. Ao mesmo tempo, o período foi atravessado por desigualdades sociais exacerbadas, condições precárias de trabalho e o surgimento de uma nova classe operária. No cenário internacional, a Grande Depressão de 1929 havia abalado economias, enquanto ideologias como o socialismo e o comunismo ganhavam força entre os intelectuais e artistas. 

Tarsila do Amaral (1986-1973), uma das figuras centrais do modernismo brasileiro, refletiu em sua obra esses movimentos sociais e econômicos. Sua viagem à União Soviética em 1931 e sua experiência como operária moldaram sua visão crítica sobre a exploração do trabalho. Criada em 1933, Operários emerge como um poderoso retrato da industrialização e um manifesto visual da diversidade e das lutas da classe trabalhadora no Brasil.

 

Descrição da Obra

Operários é uma obra de dimensões modestas, mas de impacto monumental, com formato horizontal que remete a uma linha de produção industrial. Tarsila do Amaral utiliza uma paleta de cores predominantemente sóbria, dominada por tons neutros que refletem a rigidez do ambiente fabril, contrastando com os toques sutis de cores mais vivas nos rostos dos trabalhadores, como se insinuassem uma pluralidade sufocada. 

O destaque visual do quadro são os 51 rostos alinhados, representando trabalhadores de diferentes etnias. As feições variam, mas os olhares vazios e as expressões rígidas sugerem alienação, evocando a desumanização causada pelo trabalho mecanizado. No plano de fundo, chaminés imponentes liberam fumaça, simbolizando a opressão industrial. 

A composição organiza os elementos em um esquema quase piramidal, evocando uma hierarquia social implícita. Nesse arranjo, Tarsila sintetiza a tensão entre progresso e desigualdade, humanizando números estatísticos ao retratar rostos e histórias individuais de forma poderosa.

Após viagem à União Soviética, em 1931, Tarsila do Amaral passou a ter uma visão
mais crítica sobre a exploração do trabalho, o que viria a influenciar tematicamente a sua arte.

Mensagem e Simbolismo

Operários transcende a simples representação visual e se torna uma declaração política e social poderosa. Ao reunir 51 rostos de diversas etnias, Tarsila do Amaral captura a diversidade que compõe a força de trabalho brasileira, revelando as contradições de um país que se industrializava à custa da exploração humana. Essa diversidade, no entanto, é apresentada sob um tom de uniformidade inquietante, com rostos impassíveis e olhares vazios, sugerindo uma alienação que transcende o indivíduo. 

A obra carrega forte influência dos ideais comunistas, que Tarsila absorveu em sua experiência na União Soviética. A presença imponente das chaminés ao fundo reforça a crítica às condições desumanas nas fábricas, enquanto o agrupamento quase geométrico dos rostos remete à coletivização do trabalho. Essa escolha artística dialoga com a ideia de que os trabalhadores eram vistos como engrenagens de uma máquina, desprovidos de identidade própria. 

Curiosamente, Tarsila incorpora rostos conhecidos e anônimos, incluindo figuras da elite intelectual e operários comuns, em um gesto que desmorona a barreira entre classes e coloca todos sob o mesmo sistema opressor. Essa abordagem faz de Operários um espelho inquietante da sociedade brasileira da época. 

A relação com obras como Segunda Classe (1933), também de Tarsila, é evidente: ambas exploram o impacto do progresso industrial sobre o ser humano. No entanto, enquanto Segunda Classe retrata o desconforto de viajantes oprimidos, Operários eleva a crítica ao evidenciar como o próprio tecido da sociedade era sustentado por trabalho alienante e desigual.

 

Relevância no Modernismo Brasileiro

Inserida no contexto do modernismo brasileiro, Operários representa uma contribuição singular ao movimento, especialmente ao sintetizar o diálogo entre arte, política e identidade nacional. Tarsila do Amaral, ao longo de sua trajetória, buscou retratar uma essência brasileira na arte, mas aqui transcende o regionalismo para abraçar uma crítica social universal. A obra capta o espírito de um Brasil em transformação, marcado pela industrialização acelerada e pela luta de classes, conectando-se diretamente às inquietações políticas e sociais da década de 1930. 

Diferentemente de outras produções modernistas, frequentemente focadas na exaltação do Brasil rural ou na experimentação estética, Operários emerge como um trabalho engajado, refletindo as desigualdades do contexto urbano-industrial. A escolha de retratar trabalhadores e suas condições reforça a relação entre arte e realidade, destacando-se em um movimento que, muitas vezes, privilegiava abstrações ou celebrações do folclore. 

Assim, Operários não apenas dialoga com o modernismo, mas também o desafia, assumindo um papel de denúncia e reflexão. 

Tecelãs da Indústria Matarazzo, em São Paulo, em 1925: a tela Operários capta
o espírito de um Brasil em transformação, marcado pela industrialização
acelerada e pela luta de classes.

Tarsila e Operários: Um Marco da Consciência Social na Arte

Desde sua criação, Operários tornou-se um marco incontornável na história da arte brasileira, consolidando-se como um símbolo da luta trabalhista e da diversidade étnica do país. Exibida em renomados espaços culturais, como o MASP e exposições internacionais, a obra reafirma a relevância de Tarsila do Amaral como uma das maiores intérpretes do Brasil moderno. Seu impacto transcende o campo artístico, encontrando eco em debates sociais e políticos contemporâneos. 

A representação da classe trabalhadora, composta por rostos de diferentes origens étnicas, permanece atual, refletindo questões de desigualdade que persistem no Brasil e no mundo. Além disso, Operários influenciou gerações posteriores de artistas engajados, como Cândido Portinari (1903-1962) e Anna Bella Geiger, inspirando uma arte que não se limita à estética, mas que também se compromete com a reflexão social. 

Assim, Operários segue como um testemunho poderoso da capacidade da arte de interpelar, questionar e transformar a sociedade.

 

Símbolo de uma época e reflexões contemporâneas

Operários é mais do que uma obra-prima do modernismo brasileiro; é um espelho das contradições e desafios de sua época, cujos reflexos ainda ecoam na sociedade contemporânea. A crítica social contida na pintura, que denuncia a exploração e exalta a diversidade, permanece viva nos debates sobre desigualdade e justiça social. Ao mesmo tempo, a capacidade de Tarsila do Amaral de capturar o espírito de uma nação em transformação demonstra o poder atemporal da arte de transcender fronteiras históricas e culturais. Operários segue como um símbolo vibrante da força transformadora da arte e de sua relevância contínua no mundo atual. 

 

Ficha técnica

Título: Operários

Artista: Tarsila do Amaral

Ano: 1933

Técnica: óleo sobre tela

Dimensões: 150 cm x 230 cm

Localização: Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo de São Paulo, São Paulo,Brasil.

 

 

Referências:

enciclopedia.itaucultural.org.br

niveasalgado.com.br

tarsiladoamaral.com.br

wikipedia.org

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