"O Casal Arnolfini" (1434), Jan van Eyck



Por Sidney Falcão 

No século XV, a região denominada Flandres (região norte da atual Bélgica), vivia um grande momento de prosperidade social e econômica. A região era uma importante rota comercial para várias partes da Europa, o que acabou impulsionando a sua economia e o surgimento de uma classe social afortunada e influente: a burguesia.

E era dessa classe social burguesa flamenga que pertencia o comerciante Giovanni Arnolfini e a sua esposa Giovanna Cenami, casal italiano que se estabeleceu e fez fortuna na cidade de Bruges, nos Flandres. Como toda família burguesa flamenga, os Arnolfini apreciavam obras de arte. Em 1434, o casal encomendou um quadro a Jan van Eyck (1390-1441), o mais importante nome da pintura gótica flamenga.

O quadro, que poderia ser mais um retrato encomendado por um casal burguês bem sucedido, trazia na verdade grandes inovações técnicas para época, final da Idade Média e raiar do Renascimento. Mesmo sendo uma grande obra da pintura gótica flamenga, "O Casal Arnolfini" trazia recursos que seriam largamente empregados pelos pintores renascentistas como a perspectiva, a composição simétrica, a riqueza de detalhes e até mesmo a tinta empregada. A tinta óleo era pouco utilizada pelos artistas da época, mas foi aprimorada por Jan van Eyck e o seu irmão, o também pintor Hubert van Eyck ( 1366-1426), só que de maneira artesanal. A tinta óleo como conhecemos hoje, comercializadas em tubos, só viria a ser fabricada em larga escala a partir do final do século XIX.


"Retrato de um Homem de Turbante Vermelho" (detalhe) óleo sobre madeira, de 1433:
possível autorretrato de Jan van Eyck. 

Executado com a técnica óleo sobre madeira, o quadro apresenta o casal Arnolfini dentro de seus aposentos, em meio aos seus bens materiais de alto requinte, revelando a condição social privilegiada à qual pertencia. Para alguns historiadores, a cena retratada uma cerimônia de casamento realizada na residência do casal. A posição do marido, a maneira como ele segura a mão da esposa, seriam indícios de que a cena se trata de um matrimônio.

O quadro "O Casal Arnolfini" é cercado de vários enigmas e simbolismos. Boa parte dos objetos que se encontram no quarto do casal, seriam dotados de significados simbólicos, segundo estudiosos. Dentre esses objetos, o espelho, que se encontra no centro do quadro, é o mais destacado e intrigante. Nele, Jan van Eyck empregou toda a sua destreza técnica e artística, onde "microscopicamente", ele conseguiu representar toda a encenação que de fato, estaria ocorrendo no quarto. No reflexo do espelho, o casal está de costas, e à sua frente estão o sacerdote e uma testemunha para a cerimônia doméstica de casamento. E o mais incrível: a testemunha seria o próprio autor do quadro, Jan van Eyck. Essa ideia do reflexo do espelho inspirou dois séculos depois, o pintor espanhol Diego Velásquez (1599-1660) para pintar "A Família de Felipe IV".


Espelho no quadro "O Casal Arnolfini": riqueza de detalhes e de revelações.

Outra surpresa "microscópica" está na moldura do espelho. Fantasticamente, Jan van Eick conseguiu representar 10 das 14 passagens da Via Crucis nos pequenos círculos da moldura.

Acima dos espelhos, na parede, o artista flamengo pintou uma inscrição em latim: "Johannes de Eyck fuit hic 1434" ( van Eick esteve aqui em 1434).

"O Casal Arnolfini" foi sem sombra de dúvidas a mais importante obra da carreira de Jan van Eyck. O quadro foi roubado pelo exército da França da coleção da coroa espanhola, durante a Guerra Peninsular (1807-1814). Em 1842, o quadro foi comprado pela National Gallery de Londres, pelo valor de 730 libras, onde está até hoje.

Ficha técnica
Título: "O Casal Arnolfini"
Artista: Jan van Eyck
Ano: 1434
Técnica: óleo sobre madeira
Dimensões: 82 X 59,5 cm
Localização: National Gallery, Londres

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