Movimento (1951), Waldemar Cordeiro
Por Sidney Falcão
Nos anos 1950, o concretismo revolucionou a arte brasileira ao rejeitar a subjetividade e a representação figurativa em favor de uma estrutura rigorosa, baseada na matemática e na geometria. Waldemar Cordeiro (1925-1973), um dos principais teóricos e expoentes do movimento, foi fundamental na consolidação dessa estética, defendendo a arte como um sistema objetivo de organização visual.
Movimento (1951) sintetiza esses princípios com precisão. A obra se constrói a partir de formas geométricas cuidadosamente dispostas, criando um jogo ótico de equilíbrio e tensão. Seu dinamismo não está na representação de figuras em ação, mas na interação das formas e na sugestão de deslocamento dentro da estrutura rígida. Ao eliminar qualquer vestígio de ilusão pictórica, Cordeiro reafirma o compromisso concretista com a autonomia da arte. Movimento é um manifesto visual da ruptura modernista, antecipando os desdobramentos da arte abstrata no Brasil.
Movimento calculado
A tela Movimento, de Waldemar Cordeiro, exemplifica com maestria os princípios do concretismo brasileiro, estruturando-se a partir de uma composição geométrica precisa. A interação entre retângulos, linhas e planos cuidadosamente dispostos cria um ritmo visual dinâmico, que desafia a rigidez formal sem abrir mão da clareza estrutural. Essa abordagem demonstra o compromisso de Cordeiro com uma linguagem artística objetiva, baseada na matemática e na racionalidade.
O uso controlado das cores reforça esse efeito. Tons contrastantes e a disposição equilibrada dos elementos geram uma sensação de vibração, intensificando a percepção de movimento dentro da composição. Esse aspecto se relaciona diretamente com os princípios da Gestalt, especialmente na forma como o olhar do espectador é guiado por padrões de repetição e variação, sugerindo deslocamentos ilusórios.
O grande
paradoxo da obra reside na coexistência entre estrutura rígida e dinamismo
visual. Embora a construção geométrica remeta a uma ordem quase mecânica, a
justaposição dos elementos provoca uma impressão de fluxo contínuo. Cordeiro
não apenas explora as possibilidades da arte concreta, mas desafia seus
próprios limites, propondo uma experiência que é ao mesmo tempo meticulosamente
calculada e visualmente pulsante.
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Como um dos principais expoentes do concretismo brasileiro, Waldemar Cordeiro defendia a arte como um "sistema objetivo de organização visual". |
Da ruptura à Movimento
Waldemar Cordeiro nasceu em Roma, na Itália, em 1925. Entre 1946 e 1948, Cordeiro transitou entre Roma e São Paulo, onde se fixaria definitivamente. Em São Paulo, se destacaria como pintor, crítico e jornalista, particularmente no jornal Folha da Manhã. Liderando a comunidade da Arte Concreta, Cordeiro congregou artistas imigrantes como Anatol Wladyslaw e Geraldo de Barros, após uma exposição crucial em 1948 na Galeria Prestes Maia. Sua obra, inicialmente figurativa, sofreu uma transformação no final da década de 1940, à medida que Cordeiro se aproximava da abstração geométrica, influenciado pelo Art Club em Roma. Esse movimento decisivo fez dele um dos pioneiros da arte concreta na América Latina, especialmente no Brasil.
Na virada dos anos 1940 para os anos 1950, a trajetória artística de Waldemar Cordeiro insere-se em um contexto de ebulição estética do pós-guerra, quando o concretismo europeu, fortemente influenciado por movimentos como De Stijl, Bauhaus e Construtivismo russo, encontrou eco em diferentes partes do mundo. Cordeiro absorveu essas influências, mas buscou adaptá-las à realidade brasileira, desenvolvendo uma abordagem singular dentro da arte concreta.
No Brasil, o concretismo assumiu características distintas em relação à vertente europeia. Enquanto os artistas europeus estavam ligados a utopias sociais e ao funcionalismo, os concretistas brasileiros priorizaram a autonomia da arte, eliminando qualquer resquício de subjetividade ou expressão pessoal. Cordeiro desempenhou um papel central nessa construção, rompendo com sua produção figurativa anterior e adotando uma linguagem geométrica rigorosa, baseada em princípios matemáticos.
A fundação
do Grupo Ruptura, em 1952, marcou um divisor de águas. Liderado por Cordeiro, o
grupo defendia uma arte que rejeitava o ilusionismo e a narrativa tradicional,
propondo uma estética objetiva e racional. Movimento sintetiza esse pensamento:
uma obra em que a estrutura rigorosa não impede a fluidez visual, desafiando a
percepção do espectador e consolidando a identidade do concretismo brasileiro
no cenário artístico global.
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Da esquerda para a diretita: Abraham Palatnik (sentado), Waldemar Cordeiro, Kazmer Féjer e Tomás Maldonado na primeira Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1951. |
Movimento e o futuro da arte concreta
A tela Movimento, de Waldemar Cordeiro, sintetiza os princípios centrais do Manifesto Ruptura, antecipando a postura radical do artista em relação à arte concreta no Brasil. A obra rejeita qualquer vestígio de representação figurativa e se estrutura em uma composição geométrica rigorosa, pautada pelo equilíbrio dinâmico entre formas e cores. Esse raciocínio formalista, aliado à preocupação com a objetividade, influenciou não apenas a pintura, mas também o design gráfico, a arquitetura e, mais tarde, a estética digital.
A obra dialoga diretamente com o desenvolvimento posterior da arte concreta no Brasil, especialmente no que diz respeito à integração entre arte e tecnologia. Cordeiro foi um dos primeiros artistas a enxergar o potencial da computação como ferramenta estética, um interesse que se aprofundaria nos anos 1960, quando ele passou a explorar a arte cibernética. Movimento, com sua precisão matemática e sua ilusão de dinamismo dentro de uma estrutura rígida, já apontava para essa transição.
O impacto da obra transcende sua época, servindo de referência para gerações futuras. Ao unir rigor geométrico e inquietação visual, Cordeiro pavimentou o caminho para uma arte concreta que dialoga com as transformações tecnológicas, consolidando seu legado como um dos grandes inovadores do modernismo brasileiro.
Movimento, de Waldemar Cordeiro, ocupa um lugar central na trajetória do artista e na história da arte concreta brasileira. Ao romper com a representação figurativa e explorar formas geométricas e movimento, a obra antecipa os princípios do Manifesto Ruptura, reafirmando a busca pela objetividade e pela inovação estética. Seu impacto perdura na arte brasileira, influenciando não apenas a pintura, mas também o design e a arquitetura. Hoje, a proposta concretista segue relevante, refletindo-se nas práticas da arte digital contemporânea, onde a experimentação tecnológica continua a expandir os horizontes da arte abstrata.
Ficha técnica
Título: Movimento
Ano: 1951
Artista: Waldemar Cordeiro
Técnica: têmpera sobre tela
Tamanho: 90,10 cm x 95,30 cm
Localização: Coleção Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo
Referências:
revistas.usp.br
waldemarcordeiro.com
wikipedia.org
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