“Danaë” (1907), Gustav Klimt
No início do século XX, Gustav Klimt (1862-1918) já era um dos nomes centrais da Secessão Vienense. Sua obra transitava entre o simbolismo e o Art Nouveau, combinando erotismo e misticismo em composições altamente ornamentadas. A influência dos mosaicos bizantinos, perceptível no uso do dourado e nos padrões geométricos, tornou-se uma marca registrada de sua "Fase Dourada". Danaë (1907) é um dos ápices desse período, ao lado de O Beijo (1908) e Judite e a Cabeça de Holofernes (1901), também conhecida como Judite I. Aqui, Klimt revisita o mito grego de Dânae, engravidada por Zeus transformado em chuva de ouro, e o traduz em uma cena de sensualidade e introspecção. Diferente das versões renascentistas do tema, como as de Ticiano (1473/1490 – 1576) e Correggio (1489 - 1534), Klimt afasta-se da narrativa tradicional para criar uma visão quase abstrata do desejo feminino.
A estrutura de Danaë desafia a lógica clássica da figuração. O corpo feminino se dobra em uma curva fechada, olhos cerrados em um transe que mistura prazer e sonho. Os cabelos esvoaçantes parcialmente cobrem o rosto, acentuando a sensação de abandono. Mas o grande protagonista da cena é o dourado, que domina a paleta e cria uma fusão entre a figura e o ambiente ao redor. A chuva de ouro de Zeus se torna um elemento pictórico sinuoso, escorrendo pela composição em padrões ondulantes. O jogo entre texturas e cores—o roxo e o vermelho contrastando com o brilho metálico—reforça a dualidade entre o desejo carnal e o espiritual.
A técnica de Klimt remete diretamente aos mosaicos da Basílica de San Vitale, em Ravena. Mas, ao contrário da rigidez das representações bizantinas, Danaë tem uma fluidez quase líquida. A pele da protagonista é suavemente modelada, lembrando as luzes difusas da pintura flamenga, enquanto os elementos decorativos criam uma barreira entre o espectador e a cena, tornando o erotismo mais sugestivo do que explícito.
No universo visual de Klimt, o erotismo nunca é óbvio. A sensualidade de Danaë não está na nudez, mas na atmosfera criada pelo artista. O corpo feminino não é exibido de forma provocante, mas protegido dentro de sua própria espiral, entregue ao êxtase de forma solitária e introspectiva. Aqui, o desejo não se manifesta como sedução, mas como um fenômeno cósmico, inevitável e avassalador.
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As versões de Ticiano (esquerda, de 1544-1546), e de Correggio (direita, 1531) para a figura mitológica grega Dânae. |
Ao contrário de Ticiano e Correggio, que enfatizavam o encontro entre Dânae e Zeus como uma cena física, Klimt opta por uma abordagem psicológica. Sua Dânae não é uma personagem passiva, mas alguém que vivencia o desejo como um rito de passagem. Seu prazer não é dirigido a outro ser, mas a si mesma—um conceito que anteciparia as discussões modernas sobre a sexualidade feminina na arte.
Quando Danaë foi apresentada, a recepção refletiu a polarização em torno da obra de Klimt. Enquanto críticos conservadores viam seu erotismo simbólico como excessivo, admiradores da Secessão Vienense reconheceram na pintura um dos ápices da fase dourada do artista. O uso de folha de ouro e padrões ornamentais remete à tradição bizantina, mas a abordagem sensual e psicológica trazia uma ruptura com os cânones acadêmicos.
Danaë consolidou a abordagem inovadora de
Klimt e influenciou uma geração de artistas. O modo como ele incorporou padrões
decorativos à estrutura da pintura foi um ponto de partida para o
desenvolvimento da arte abstrata. Sua maneira de retratar o desejo feminino,
longe da estética acadêmica tradicional, abriu caminho para movimentos como o
surrealismo e até mesmo para a pop art.
Ficha técnica
Título: Danaë
Artista: Gustav Klimt
Ano: 1908
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 77 cm x 83
cm
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