“Moema” (1866), Victor Meirelles
Ao longo do período imperial do Brasil, no século XIX, a construção de uma identidade nacional foi um dos maiores desafios enfrentados pela jovem nação. Após a independência em 1822, o governo imperial e a elite cultural buscaram maneiras de consolidar um senso de unidade e orgulho nacional. A Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), fundada em 1816, foi uma das instituições-chave nesse esforço, promovendo a educação artística e incentivando a criação de uma estética brasileira. Pinturas, esculturas e outras formas de arte criadas por alunos e professores da academia registravam eventos históricos, figuras políticas importantes e cenas do cotidiano. Esse registro ajudava a criar um senso de continuidade e identidade histórica.
Dentro deste ambiente, Victor Meirelles destacou-se como um dos principais artistas da época, contribuindo significativamente para a construção da identidade cultural do país. Sua obra Moema é um exemplo claro desse esforço. A pintura não só demonstra a técnica refinada que Meirelles adquiriu na AIBA, mas também representa a idealização do indígena e da natureza brasileira como elementos centrais na narrativa da nova nação. Através de Moema, Meirelles ajudou a moldar uma imagem do Brasil que refletia tanto suas raízes autênticas quanto sua aspiração de ser uma nação moderna e reconhecida internacionalmente.
Victor Meirelles de Lima nasceu em 1832, em Nossa Senhora do Desterro (hoje Florianópolis), no estado de Santa Catarina. Desde jovem, demonstrou talento para a pintura, o que o levou a se mudar para o Rio de Janeiro para estudar na Academia Imperial de Belas Artes. Após uma formação sólida, recebeu uma bolsa de estudos para aprimorar suas habilidades na Europa, passando pela Itália e França, onde aperfeiçoou suas técnicas e teve contato direto com as principais tendências artísticas de seu tempo. Ao retornar ao Brasil, trouxe consigo a técnica refinada e a sensibilidade adquiridas no Velho Mundo, que se refletiram em suas obras subsequentes. Concluída a bolsa de estudos na Europa, retornou ao Brasil em 1861, consagrado após ter a sua tela A Primeira Missa no Brasil exposta no prestigiado Salão de Paris naquele ano.
Imagem de Victor Meirelles nos anos 1860. |
A tela capta o momento trágico em que o corpo de Moema é encontrado na beira do mar. Ele ocupa boa parte da área inferior da tela, enquanto ao fundo se vê uma densa vegetação na qual estão dois grupos indígenas que parecem acenar para alguém, talvez para a embarcação de Diogo Álvares. A cena em si guarda todas as características da tradição de nus idealizados em paisagens naturais. O corpo de Moema, vestido com uma tanga partida, repousa inerte, parte dele sobre uma pedra à beira das águas do mar. Meirelles demonstra maestria na utilização da luz e na representação do corpo humano, elementos que aprendeu e aperfeiçoou durante sua estada na Europa. A precisão anatômica, o uso de cores suaves e a atenção aos detalhes fazem de Moema uma obra-prima que vai além da simples ilustração de uma lenda, convidando o espectador a refletir sobre os temas de amor, perda e identidade.
Moema foi exposta ao público pela primeira vez ainda em 1866, na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, mas não gerou grande repercussão, a não ser entre aqueles que pertenciam ao círculo das belas artes. Segundo o jornalista e escritor Rangel de Sampaio (1838-1900), amigo de Victor Meirelles, em depoimento publicado em 1880, o quadro gerou pouca repercussão porque eventos literários e espetáculos teatrais despertavam mais interesse da imprensa e do público do que as artes plásticas.
A tela Moema, de Victor Meirelles, foi inspirada na personagem homônima do poema "Caramuru - Poema Épico do Descobrimento da Bahia", escrito pelo Frei José de Santa Rira Durão em 1781. |
Juntamente com A Primeira Missa no Brasil, Moema inaugura o chamado “ciclo indianista” nas artes durante o Romantismo no Brasil. Moema torna-se uma espécie de padrão de pintura daquele ciclo ao trazer elementos que caracterizam a beleza idealizada em harmonia com a natureza. A pintura da indígena segue o conceito empregado pela Academia, que era o de elevar a imagem da jovem pátria através da figura do índio, retratado nas obras como o “bom selvagem”.
Além de prosseguir com sua bem-sucedida carreira como
pintor, Victor Meirelles atuou como professor na Academia Imperial de Belas
Artes, formando novas gerações de artistas e ajudando a consolidar a arte
acadêmica no Brasil. Suas obras são consideradas marcos na história da arte
brasileira, e ele é lembrado por sua contribuição inestimável para a formação
de uma identidade visual nacional. Victor Meirelles faleceu no Rio de Janeiro,
no começo de 1903, aos 70 anos, deixando um legado duradouro na arte e na
cultura do Brasil.
Ficha técnica
Título: Moema
Autor: Victor
Meirelles
Técnica: óleo
sobre tela
Dimensões: 130
cm × 196,5 cm
Localização: Museu de Arte de São Paulo (MASP), São Paulo, Brasil
Referências:
escritoriodearte.com
masp.org.br
wikipedia.org
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