“Baco e Ariadne” (1520-1523), Ticiano


Por Sidney Falcão 

Alfonso I d’Este (1476-1535), o Duque de Ferrara, foi um homem rico e poderoso que, por quase 30 anos, comandou o Ducado de Ferrara, no norte da Itália. Desde jovem, o duque nutria uma paixão pelas artes, e por ser um homem afortunado e influente, tornou-se um patrono das artes durante. Para decorar o seu gabinete, decidiu encomendar quadros com cenas mitológicas. Há uma história de que o Duque de Ferrara teria encomendado as pinturas a Rafael Sanzio, e que ele até teria feito os primeiros estudos para a pintura, mas havia morrido precocemente em 1520, aos 35 anos.

Dado a essa tragédia, o nobre encomendou as obras que desejava a Ticiano (1488-1576), um dos mais importantes pintores renascentistas de Veneza, uma série de três telas: Bacanal dos Andros (ou Bacanal dos Adrianos, 1518-1519), Adoração de Vênus (1518-1520) e Baco e Ariadne (1520-1523). O Duque de Ferrara ainda teria encomendado mais uma pintura a outro importante pintor renascentista veneziano, Giovanni Bellini (1430-1516), que foi “A Festa dos Deuses”.

Tanto Ticiano quanto Bellini, pertenciam à chamada “escola veneziana”, assim chamada a pintura produzida em Veneza durante o Renascimento, e que rivalizava com a “escola florentina”, a pintura produzida no mesmo período em Florença. A escola veneziana revelou pintores renomados e que cravaram seus nomes na história da pintura renascentista como Antonello da Messina (1430-1479), Giorgione (1476?-1510), Tintoretto (1518–1594), Paolo Veronese (1528–1588) e Jacopo Bassano (1510–1592). A escola veneziana tinha como grande característica o fascínio pela cor, geralmente exuberante, vibrante, luminosa, e a dedicação aos efeitos nos contrastes de luz e sombra. Foi o fascínio pela cor vibrante que se tornou um dos elementos que caracterizaram a pintura de Ticiano.

Autorretrato, deTiciano, ccirca de 1567, Museu do Prado,
Madri, Espanha. Detalhe.

Baco e Ariadne, uma das encomendas executadas por Ticiano para o Duque de Ferrara, foi inspirada nos poemas de Ovídio (43 a.C.-18 d.C.) e Catulo (87 a.C.-54 a.C.) sobre Baco, o “deus do vinho” na mitologia romana (Dioniso, na mitologia grega) e Ariadne, filha do Rei Minos, de Creta. Segundo a lenda, após ajudar seu amante, Teseu, a matar o Minotauro, Ariadne recebeu em troca ingratidão: foi abandonada pelo homem que amava, na ilha de Nexos. Teseu deixou Ariadne na ilha e foi embora num barco, deixando-a sozinha naquela ilha.

No entanto, ela não estava sozinha naquela ilha como se imaginava. De regresso para a Grécia, Baco e sua comitiva haviam feito uma parada naquela ilha. Quando Baco viu Ariadne naquela ilha, linda, mas desesperada, foi paixão à primeira vista. Todo o contexto e os desdobramentos dessa história de amor, Ticiano conseguiu retratar nesta pintura que ele fez para o Duque de Ferrara.

Ariadne está no lado esquerdo do quadro, com a mão acenando para o barco de Teseu, que se vai ao longe, já num tamanho minúsculo (próximo ao ombro esquerdo de Ariadne). Ela é surpreendida pela chegada de Baco, o “deus do vinho”, acompanhado de sua animada e embriagada comitiva. Ariadne se mostra espantada, perplexa, imaginando que estivesse sozinha naquela ilha. Seu corpo está em movimento contorcido, ainda num gesto de quem tentara inutilmente acenar para que aquele que a abandonou não a deixasse sozinha naquela ilha. As dobras da vestimenta de Ariadne e da faixa enrolada no seu corpo, reforçam a sensação do movimento.

Ao centro da tela, Baco parece hipnotizado pela beleza de Ariadne, despertando nele uma paixão instantânea. Ele parece flutuar saindo da carroça que o conduzia, puxada por dois guepardos. O corpo do “deus do vinho”, além de flutuar, está num movimento contorcido, enquanto sua cabeça está direcionada para Ariadne. Desenrolando-se no ar está o manto rosado que envolve o corpo de Baco.

Alfonso I d'Este, o Duque de Ferrara, que encomendou
três telas a Ticiano, dentre elas, Baco e AriadneTiciano, Retrato de Alfonso I d'Este (detalhe), 1530-34,  França, Fondation Bemberg.

Quanto aos dois guepardos que estariam puxando a carroça que conduz o “deus do vinho”, há relatos de que Alfonso I d’Este possuía um zoológico particular, e que dentre os animais que criava, estavam os guepardos. Mais abaixo, no canto inferior esquerdo da tela, se vê uma urna dourada sobre um pano amarelo. A urna contém uma inscrição: “TICIANUS F (ECIT), que significa "Ticiano fez isso”.

Do centro da tela até o lado esquerdo dela, está a comitiva de Baco, que segue o seu líder. Algumas figuras que compõem a comitiva são sátiros, seres mitológicos, metade homem, metade cabra. Abaixo de Baco está um cachorro a latir para um menino sátiro, que puxa por uma corda uma cabeça decapitada de bezerro. Certamente a cabeça de um bezerro que os sátiros esquartejaram para comer. No lado direito, está um sátiro empunhando com a mão direita uma pata de bezerro, e com a esquerda, segura algo parecido com um galho de videira.

À frente do sátiro empunhando uma pata de bezerro, um homem musculoso caminha com dificuldade enrolado com uma serpente ao seu corpo. Essa figura é Laocoonte, um personagem vinculado a uma lenda da Guerra de Troia. Para pintá-lo, Ticiano baseou-se na escultura Laocoonte e Seus Filhos, obra provavelmente esculpida entre 40 a.C. e 37 a.C., e encontrada numa escavação em 1506. A descoberta dessa escultura chamou a atenção dos grandes artistas renascentistas da época, dentre os quais, o escultor Michelangelo Buonarroti (1475-1564), o arquiteto Giuliano da Sangallo (1443 – 1516) e o pintor Rafael Sanzio (1483-1520). A estátua está hoje no Museu do Vaticano.

Bem ao fundo, entre as folhagens, um burro carrega um homem gordo que, de tão bêbado, é amparado por um sátiro. Esse homem obeso e sonolento pela embriaguez é Sileno, pai adotivo de Baco. As duas figuras femininas presentes na comitiva são bacantes, sacerdotisas e seguidoras dos cultos a Baco, que aparecem dançando graciosamente e tocando os instrumentos musicais.

A tela Baco e Ariadne impressiona o espectador pelo seu colorido vibrante e pelo movimento dos corpos dos personagens representados, prenunciando, de alguma forma, a pintura barroca, embora Ticiano fosse um artista renascentista. É uma pintura que contrasta a alegria festiva da comitiva com os olhares de paixão entre Baco e Ariadne.

E por falar em paixão, conta a lenda que Baco casou-se com Ariadne, e ele deu a ela como presente de casamento, uma coroa de ouro cravejada de pedras preciosas. Os dois tiveram filhos, e mais tarde, quando Ariadne morreu, Baco atirou a coroa de sua finada esposa para o céu, e lá transformou-se numa constelação. Essa constelação está presente na tela, no canto superior esquerdo como uma auréola, bem acima de Ariadne. Um símbolo do amor entre o “deus do vinho” e a mortal filha do Rei Minos.

 

Ficha técnica

Título: “Baco e Ariadne”

Artista: Ticiano

Ano: 1520-1523

Técnica: Óleo sobre tela

Dimensões: 176,5 × 191cm

Localização: National Gallery, Londres, Inglaterra

 

Referências:

Great Paintings: The World's Masterpieces Explored and Explained -  2011, DK Publishing

www.musee-orsay.fr

wikipedia

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