“Les Demoiselles d'Avignon” (1907), Picasso
Por Sidney Falcão
Imagine como teria sido a expressão
de horror quem viu pela primeira vez, em 1907, "Les Demoiselles
d’Avignon", quando Pablo Picasso (1881-1973) concluiu esta que é uma das
mais importantes obras de arte do século XX. Naquele momento, a Europa já
respirava os “ares modernistas” nas artes desde o surgimento do Impressionismo,
décadas antes. Porém, a influência da arte acadêmica ainda resistia, mesmo sem
a grande força de outrora. O choque, o escândalo e o pavor foram inevitáveis.
Quando Picasso pintou "Les
Demoiselles d’Avignon", ele tinha apenas 25 anos de idade, e apesar de
muito jovem, sabia exatamente o que estava fazendo e tinha a plena consciência
que estava executando uma obra polêmica e que resultaria em algo totalmente
inovador. A prova disso foram os nove meses em que o pintor espanhol dedicou-se
para fazer inúmeros esboços e pinturas que culminaram na tão famosa obra-prima.
Para chegar à concepção estética de
"Les Demoiselles d’Avignon”, Picasso teve contato com as pinturas de Paul
Cézanne (1839-1906), pintor pós-impressionista francês que já experimentava a
geometrização das formas na sua pintura. Além das obras de Cézanne, Picasso
teve contato com as máscaras e esculturas africanas, que despertavam o
interesse dos jovens artistas naquele momento.
Em "Les Demoiselles
d’Avignon", Picasso abriu mão de todas as convenções tradicionais
estabelecidas desde o Renascimento, como luz e sombra, perspectiva e simetria.
Picasso opta pela distorção dos corpos, a representação das figuras em vários
ângulos, a despreocupação com o belo, tudo isso era o que interessava a Picasso
agora. A determinação e o talento de Picasso, mais as referências não
convencionais, resultaram numa obra transgressora, responsável pela ruptura com
quatro séculos de academicismo artístico e pelo surgimento do Cubismo. Tudo
isso promovido por um jovem de apenas 25 anos de idade.
Um de vários estudos que Picasso fez para a concepção de "Les Demoiselles d'Avignon". |
Picasso trabalho num tema tradicional
na pintura que é o nu, sobretudo o nu feminino em grupo, um tema que os grandes
mestres no brindaram como “As Três Graças” (1635), de Paul Rubens, “Banho
Turco” (1862), de Jean-Dominique Ingres, ou mesmo trabalhos mais contemporâneos
a Picasso como “As Banhistas”(1906), de Cézanne e “Alegria de Viver” (1906), de
Henri Matisse.
No entanto, Picasso fugia
completamente diferente. Os corpos das cinco mulheres são disformes, angulares,
desarticulados. Figuras e fundo se confundem. O fundo é praticamente abstrato,
o que demonstra que para Picasso, interessava as figuras femininas por ele
pintadas de maneira inovadora. A mulher no canto superior de direito tem um
rosto que é uma clara referência às máscaras africanas, assim como a mulher
sentada no inferior direito. As outras três mulheres, possuem corpos que
guardam referenciais femininos e exibem alguma sensualidade. Mais abaixo da
tela, Picasso pintou uma natureza morta com frutas.
Quando Picasso concluiu o quadro após
meses de trabalho, ele chamou os amigos para o eu ateliê para conferir a obra.
A pintura, de tão transgressora, impactou até mesmo aqueles que estavam
promovendo o processo renovação que a arte estava passando. O escritor e
crítico de arte Guillaume Apollinaire (1880-1918), o marchand Ambroise Vollard
(1866-1939), a escritora e colecionadora Gertrude Stein (1874-1946) ficaram
perplexo quando viram aquela pintura pela primeira vez. Até mesmo o ícone do
Fauvismo, Henri Matisse (1869–1954), amigo e também “rival” de Picasso, achou
que o pintor espanhol havia exagerado na transgressão. O crítico de arte
francês Félix Fénéon, foi irônico: disse que Picasso deveria “se dedicar à
caricatura”.
Se a reação dos amigos modernistas
foi tão pouco amistosa, imagine a reação que o quadro despertaria quando fosse
exposto para o grande público, boa parte dele ainda presos aos cânones da arte
acadêmica. Talvez temendo o pior, Picasso manteve "Les Demoiselles
d’Avignon" no seu ateliê por dez anos, e assim mesmo fora do chassi,
guarda enrolada.
Influência africana: no detalhe da pintura Les Demoiselle d'Avignon (à esquerda), é perceptível a influência das máscaras africanas. À direita, uma máscara da região do Etoumbi, República do Congo. |
"Les Demoiselles d’Avignon" foi exposta publicamente em 1916, no Salão d’Antin, em Paris, organizado por André Salmon, em meio a quadros fauvistas e cubistas de outros artistas. Mesmo passados tantos anos desde que foi concluída, a pintura foi motivo de zombaria por parte de alguns jornalistas. Após a exposição, a pintura teria sido retirada do chassi e guardada enrolada novamente por Picasso no seu ateliê.
Em 1937, "Les Demoiselles
d’Avignon" foi adquirida pelo colecionador de artes Germain Seligmann por
150 mil francos. Dois anos depois, o Museu de Arte Moderna de Nova York comprou
o quadro 28 mil dólares, onde está até hoje.
Só por ter sido autor de "Les
Demoiselles d’Avignon", isso seria suficiente para figurar Picasso entre
os grandes mestres da História da Arte, mas ele foi muito mais além. Ao longo
do século XX, Picasso foi se superando, se reinventando e criando outras tantas
obras polêmicas, como "Guernica", em 1937. Mas isso é uma outra
história.
Ficha técnica
Título: "Les Demoiselles d’Avignon",
Artista: Pablo Picasso
Ano: 1907
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 243,9 X 233,7 cm
Localização: Museum Of Modern Art,
Nova York, Estados Unidos.
Referência:
Picasso –
Gilles Plazy, 2007, Editora L&PM
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